terça-feira, 20 de novembro de 2012

Envelhecimento indesejado

    Sem que eu perceba, mais quatorze anos eram despejados em minhas costas. Os olhos meus já não eram os mesmos, o cabelo ficou mais feio ainda, e eu estava sem forma alguma. Minha escrita nunca melhorou. Continuei a mesma bosta de sempre, mais velha, e até pior. Os livros que li não me ajudaram a superar os desafios que me lançavam. Os filmes que vi de nada serviram, a vida não era do mesmo jeito. As músicas, pior do que inúteis, me atrapalhavam, trazendo nostálgicos sentimentos de quando eu era apenas uma menininha apaixonada. Levo minha mão até a água e molho o rosto. Que diabos eu fiz com a minha vida?
    O meu trabalho fede a suor, e as donas de casa que são minha vizinhas, também. Quem foi que me indiocou aquele maldito apartamento? Por que ser tão boa na escola me levou àquele emprego de merda? Digo, ficar frente à uma tela arquivando documentos e assinando papéis, ganhando pouco mais que um salário mínimo, num ambiente sem ventilação alguma e um chefe que só sabe olhar sites de pornografia. Mas o que eu fiz de errado no caminho? Eu fui boa demais? Será que deixei que todos passassem por cima de mim, que subissem usando meus ombros de apoio? O que foi que fiz de errado?
    Agora nem mais adianta recordar. Pensar no que foi feito, que o tempo não volta. Outra vez, levo as mãos até a água e molho o meu rosto. Estou em frente ao espelho do banheiro faz horas. Que diabos eu fiz com meu rosto? Com a minha vida? Meu rosto nunca mais sorriu. Meu rosto está pálido, e meus olhos não tem brilho algum. Minhas pernas não andam mais do jeito que eu queria que andassem. Elas se arrastam porque não veem motivo para ir mais rápido que o tempo. E os meus braços só alcançam as coisas materiais. Meus braços não alcançam nada, não alcançam um amor, um amigo, ninguém. E eu nunca mais chorei. Desde que cresci. Desde que me desconheci.
    Mesmo quando eu me lembro dele. Algo perto de tristeza invade meu peito, um quase sorriso desesperado para aparecer tenta se formar, mas nada. Um misto de vazio, tristeza e algo bom. Apesar de tudo, você me faz bem. Ainda. E me faz lembrar de coisas bonitas que vivi. Um amor. O único que vivi na vida. E eu me lembro que você foi pra bem longe e nem deve se lembrar de mim. Que eu te emprestei os meus livros do Harry Potter, e que eu esperava ansiosa para você terminar e vir me encontrar para pegar o próximo.
    Acho que vou relê-los. Talvez eu me lembre mais de você. Meus braços conseguem alcançar os livros na última prateleira, afinal eu cresci. Mas nem tanto, e eles caem quase todos. O último, Relíquias da Morte, cai mais próximo e eu o pego primeiro. Foi o último que você tocou, as marcas são mais recentes. Um dia vão se apagar? Marcas assim não se apagam, não é? Eu espero.
    Cai um papel de dentro do livro. Um bilhete, tão pequeno, com uma letra familiar. É uma resposta. Como eu nunca tinha o visto? Lembrei da carta que lhe escrevi. Era bem grande, em relação à este telegrama que você chamou de resposta. O que vem escrito: “Eu nunca vou esquecer você… mas, esquece de mim. Não dá mais pra te ver assim. Eu te amo.” O que veio escrito foi maior do que qualquer livro que li. Eu demorei décadas em cada sílada de cada palavra. Eu reli três vezes a cada hora que passava. Você estava dentro de mim, e nunca mais saiu. Acho que se eu tivesse lido aquele bilhete antes também não faria diferença, eu continuaria amando você. Por mais que você pedisse. Esta era a única coisa que eu nunca faria por você. Uma vez que era impossível.
    Pela primeira vez em dez anos, eu sorri. Graças àquele telegrama ridículo que você me deixou antes de fugir. E com o sorriso, veio uma chuva torrencial jorrando dos meus olhos. Por dias a fio, eu não parei de chorar. Por dias a fio eu enchi a casa de lágrima, e quando eu estava quase afogando… Eu acordei.
    Foi um sonho. Ainda tenho a minha pouca idade, e você ainda vai pegar o último livro do Harry Potter na segunda. Você ainda não foi embora de mim. Ainda sou uma menininha apaixonada. Você ainda me faz sorrir e chorar exageradamente. Mas algo me diz que eu nunca vou receber nem sequer seu telegrama. Hoje à noite eu não vou chorar. Acho que já chorei demais em um sonho só, então, estou de ressaca. Nos vemos por aí, rapaz.

    (Ana F.)

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